Já ouvimos incontáveis vezes a pergunta que serve de título a este artigo. E isso porque o Acordo de Sócios é normalmente associado a grandes empresas com ações negociadas em bolsa de valores e, portanto, documento distante do dia a dia de uma sociedade limitada de controle familiar, por exemplo. Ocorre que, ao contrário do que pode parecer, o Acordo de Sócios é um instrumento importante para regular de maneira profunda o relacionamento, direitos e deveres dos sócios entre si e com a sociedade, seja ela de qualquer porte, tenha ou não ações negociadas em bolsa.
É certo que a previsão legal deste documento está lançada no artigo 118 da Lei das S/A, mas isso não torna ilegal ou incomum o seu uso em sociedades limitadas. E é justamente por esta razão que preferimos utilizar o nome Acordo de Sócios e não Acordo de Acionistas. De acordo com o mencionado artigo 118 da Lei das S/A, o Acordo de Sócios é documento que pode tratar de regras específicas para a compra e venda de ações, direito de preferência, exercício do direito de voto ou do poder de controle. Nada impede, no entanto, que o Acordo de Sócios trate detalhadamente de outros assuntos de interesse dos sócios, e esta é uma das razões do seu uso cada vez maior para regular os direitos e interesses dos sócios relativamente à sociedade, seja ela limitada ou S/A.
Ainda assim é comum o questionamento quanto ao porquê da assinatura de um Acordo de Sócios se o estatuto ou o contrato social podem muito bem suprir a regulamentação quanto ao direito de preferência, por exemplo. A razão é o sigilo! E isso porque tanto o estatuto de uma sociedade anônima quanto o contrato social de uma sociedade limitada são documentos públicos e de livre acesso a qualquer interessado que se dirija à Junta Comercial e solicite uma cópia.
O Acordo de Sócios, ao contrário, pode ou não ser arquivado na Junta Comercial sem que isso diminua a sua força perante os seus signatários e o respeito obrigatório aos seus termos. E isso porque o Acordo de Sócios é um documento particular que possui plena eficácia perante os sócios que o assinaram independentemente de ser ou não de conhecimento público.
Tal característica permite incluir nos Acordos de Sócios assuntos do interesse dos sócios e da sociedade que não precisam ou não devem ser divulgados publicamente como, por exemplo, regras para o ingresso de herdeiros de sócio na empresa, regras quanto ao regime de casamento dos sócios e seus herdeiros, regras quanto ao uso de bens da sociedade para atendimento a necessidades particulares dos seus sócios, criação e administração de holdings familiares, criação de Conselhos de Família, indicação dos membros do Conselho de Administração, etc.
Assim, ao tempo em que o Acordo de Sócios pode (e deve) tratar dos temas previstos em lei (compra e venda de ações ou quotas, direito de preferência, exercício do direito de voto ou do poder de controle) ele também pode (e deve) tratar de assuntos delicados que podem gerar uma fonte de conflitos e litígios entre os sócios.
Este fato cresce de importância, se estivermos diante de uma empresa familiar onde os vínculos de sangue, asalegrias e mágoas passadas, os interesses particulares de cada membro da família e a maior ou menor influência dos agregados (cônjuges, genros, noras) afetam, e muito, a tomada de decisões dentro da empresa. E, obviamente, ninguém gostaria de expor publicamente as regras a respeito de assuntos tão íntimos de uma família empresária. Esta é, a nosso ver, uma das grandes razões para a elaboração de um Acordo de Sócios.
Há ainda outra grande razão a ser considerada: a estabilidade. O Acordo de Sócios é um documento que pode estipular vigência por longo prazo (10, 15, 20, 25 anos) e, assim, assegurar longo período de estabilidade dentro da empresa relativamente aos assuntos que foram tratados no acordo. Um contrato social ou um estatuto podem ser alterados a qualquer momento conforme o entendimento majoritário dos sócios.
Já um Acordo de Sócios bem elaborado, que contenha regra específica de somente ser modificado por unanimidade durante o seu prazo de vigência, garante estabilidade à sociedade e assegura tratamento igualitário entre os sócios.
O Acordo de Sócios, portanto, é um poderoso instrumento legal à disposição dos sócios de empresas familiares, onde podem ser tratados assuntos delicados preservando a intimidade da família e assegurando estabilidade na sociedade.
Por Luis Roberto Ahrens, Mestre em Direito Empresarial, MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas, professor de Direito Empresarial em cursos de graduação e pós-graduação, advogado sócio do Escritório Ahrens Advogados, ex-Presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB/PR (gestão 2013/2015), e consultor associado da MECA Consultores Associados.