Do pagamento de participação nos resultados por entidades sem fins lucrativos

1. Do contexto histórico legislativo

Ainda que a participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, tenha previsão, desde a Constituição de 1988, como um direito social do trabalhador, apenas em 1994 foi regulamentada, por meio da Medida Provisória n. 794, posteriormente convertida na Lei 10.101, de 19 de dezembro de 2000.

A legislação estabelece que “dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo”. Podem ser adotados, como critérios e condições para o pagamento do PLR, índices de produtividade, qualidade ou lucratividade, bem como programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente.

Para fins do presente artigo, partimos do pressuposto que eventuais programas de participação nos resultados, criado pelas entidades sem fins lucrativos, seguem as regras e condições estabelecidas pela legislação.

Cabe ressaltar que, recentemente, a Lei 10.101/00 foi alterada pela Medida Provisória 905, de 2019, prorrogada por mais 60 (sessenta) dias a partir de 11.02.2020, conforme Ato do Presidente da mesa do Congresso Nacional nº 04/2020, que poderá – ou não – ser convertida em lei. Desse modo iremos desenvolver nossos argumentos considerando tanto a redação antiga, quanto a novel redação.

2. Da previsão de dispensa de pagamento no caso de entidades sem fins lucrativos

O §3º do art. 2º da Lei 10.101/2000, que estabelece que as entidades sem fins lucrativos não se equiparam a empresa e, portanto, não estariam sujeitas à referida lei, ou seja, não estariam obrigadas ao pagamento de PLR. Contudo, o mencionado dispositivo elenca ainda uma série de condicionantes que, de forma cumulativa, devem ser preenchidas para que se configure a dispensa de sujeição ao pagamento de PLR, sendo eles:

A) Não Distribuir Resultados, A Qualquer Título, Ainda Que Indiretamente, A Dirigentes, Administradores Ou Empresas Vinculadas;

B) Aplique Integralmente Os Seus Recursos Em Sua Atividade Institucional E No País;

C) Destinar O Seu Patrimônio A Entidade Congênere Ou Ao Poder Público, Em Caso De Encerramento De Suas Atividades;

D) Manter Escrituração Contábil Capaz De Comprovar A Observância Dos Demais Requisitos Deste Inciso, E Das Normas Fiscais, Comerciais E De Direito Econômico Que Lhe Sejam Aplicáveis.

Veja que o dispositivo permite que as entidades sem fins lucrativos que cumpram os requisitos acima, fiquem dispensadas de observar a legislação. Contudo isso não significa, a nosso ver, que a lei tenha vedado, às entidades sem fins lucrativos, o direito de, assim querendo, premiar as boas condutas de seus empregados, por meio de um programa de participação não sobre o lucro, mas sim sobre o resultado.

Veja que a própria Constituição diferencia lucro de resultado ao inserir, entre essas duas palavras, a expressão “ou”, que aqui atua como conjunção coordenativa alternativa, no sentido de alternância, ou seja, a participação do trabalhador pode ser dar mediante o lucro ou o resultado não sendo essas, para o Constituinte, expressões sinônimas. Esse é, por exemplo, o entendimento de Sergio Pinto Martins:

A Norma Ápice Declara Que Não Se Trata De Participação Apenas Nos Lucros, Mas Nos Resultados. Isso Quer Dizer Que Resultado Não É Sinônimo De Lucro, Pois Se O Legislador Constituinte Empregou Duas Expressões Distintas, Quer Dizer Que Têm Significados Diferentes, Visto Que A Lei Não Contém Palavras Inúteis, Além De Ter Colocado A Palavra “Resultado” Entre Vírgulas Na Oração Do Inciso XI Da Constituição.[1]

A palavra “resultado” é utilizada outras 19 vezes pela Constituição de 1988, mas em nenhuma delas a Constituição apresenta seu conceito.

Ao regulamentar o inciso XI do art. 7º da Lei 10.101/00 também não conceituou a expressão resultado, tampouco lucro. Além disso, em momento algum a legislação do PLR relacionou a participação nos lucros ou resultados unicamente com elementos de natureza econômica. Pelo contrário, a legislação faz referência a possibilidade de adoção de diversos critérios, citando como exemplo índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa, programas de metas, resultados e prazos. A lucratividade atua apenas como um dos vários elementos possíveis, mas não obrigatórios, para fins de fixação da participação do trabalhador.

É nesse sentido a manifestação de Sergio Carraza:

Pode-Se Entender Que O Uso Da Expressão “Resultado” Seja Decorrente Da Vontade Do Legislador De Estabelecer Uma Forma De Participação Do Trabalhador No Resultado Positivo Obtido Por Empresas Que Não Tenham Por Objeto O Lucro (MARTINS, S. P., 2009), Tais Como: Associações, Sindicatos, Hospitais, Entidades Integrantes Do Sistema “S”, Assim Como O SEBRAE. Portanto, O Trabalhador Pode Ter Participação Financeira Sobre A Produtividade Que Alcançou Para A Sua Instituição.

(…)

Para Sérgio Pinto Martins (MARTINS, S. P., 2009), O Termo “Resultado”, Como Interposto Na Constituição Federal, Pode Querer Dizer O Atingimento De Metas Estabelecidas Pela Empresa, Visando Melhorar Seus Procedimentos Operacionais, Ou De Produtividade. O Programa De Remuneração Variável, Atrelado Ao Atingimento De Resultados, Está Totalmente Desvinculado Da Existência, Ou Não, De Lucro Por Parte Da Instituição Empregadora.[2]

Com a inserção do §3º-A, pela Medida Provisória n. 905/19, parece-nos ainda mais possível o pagamento de PPR (Programa de Participação nos Resultados) pelas entidades sem fins lucrativos, uma vez que referido dispositivo estabelece que a não equiparação às empresas – e que dispensa a observância à lei – não se aplica “… às hipóteses em que tenham sido utilizados índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos”.

Ainda antes dessa inovação legislativa, havia parcela da doutrina que entendia possível a criação, por uma entidade sem fins lucrativos, Programa de Participação nos Resultados, com a consequente dispensa de recolhimento da contribuição previdenciária, dada a ausência de natureza salarial dessa verba:

As Entidades Sem Fins Lucrativos Não Estão Obrigadas À Implantação Do Sistema, Mas Não Estão Proibidas De O Fazerem Com Fins Administrativos E De Melhoria De Qualidade Ou De Resultados Previamente Definidos. Se Assim Implantarem Um Programa De Participação Nos Resultados, Os Valores Distribuídos Estarão Desvinculados Da Natureza Jurídica Salarial.[3]

O Direito Em Comento Refere-Se À Participação Conferida Aos Trabalhadores Nos Lucros Ou Resultados, Os Quais São Apurados Pelo Confronto De Receitas, Despesas E Custos Incorridos Pela Entidade Em Determinado Período De Tempo.

A Utilização Destes Dois Termos Permite Tanto A Interpretação De Que As Entidades Estão Autorizadas A Implementarem O Pagamento Sobre Seus Lucros Ou Resultados (Estes Anteriores Ao Lucro, Relativos A Determinado Ramo Do Negócio, Setor, Atividade, Etc.), Como A De Que O Programa De Participação Nos Lucros/Resultados  Passível De Adoção Pelas Entidades Que Tenham Por Fim A Perseguição De Lucros,  Por Aquelas Que Não A Tenham, Como É O Caso Das Entidades Sem Fins Lucrativos, Que Apuram Em Suas Demonstrações Financeiras Resultados Positivos Ou Negativos, Os Quais São Denominados Por Superávit Ou Déficit (E Não Por Lucro Ou Prejuízo).

A Nosso Ver, Ambas Interpretações Do Dispositivo Constitucional Autorizam As Entidades Sem Fins Lucrativos A Concederem Participação Nos Resultados Aos Seus Empregados, Sendo Este Entendimento Confirmado Pela Doutrina Majoritária.[4]

A própria exposição de motivos, na parte em que dispensou as entidades sem fins lucrativos de se sujeitarem ao PLR estabeleceu que:

“(…) Com Relação Ao Diploma Em Vigor, O Novo Texto Altera O Art. 2º Para Afastar Da Obrigatoriedade De Conceder Participação Aos Empregados Nos Lucros Ou Resultados As Pessoas Físicas, E, Ainda, As Genuínas Entidades Sem Fins Lucrativos, Assim Entendidas Aquelas Que Cumulativamente, Não Distribuam Resultados,(…).”

“(…) Sob O Ângulo Gerencial, Ou Administrativo, O Que Se Pode Reduzir É A Motivaçãodo Empregado, No Cotejo Com O Empregado Da Empresa Que Paga A Participaçãonos Lucros, Ou Resultados. Isto, Porém, Se Soluciona Com A Simples Faculdade, Sempre Existente, De A Entidade Sem Fins Lucrativos, Ou A Pessoa Física, Aderir Ao Sistema De Participação, Ou Instituir Outros Estímulos À Produtividade.(…)”

Em algumas manifestações os doutrinadores apontam que qualquer impedimento legal ao pagamento de participação nos resultados, por entidades sem fins lucrativos, estaria impondo tratando anti-isonômico entre o trabalhador de uma entidade sem fins lucrativos e aquele que labora em entidade privada, com fins lucrativos. Observe:

A Expressa Exclusão Das Entidades Sem Fins Lucrativos Faz Com Que Os Empregados Destas Não Participem Dos Lucros Ou Dos Resultados Das Entidades Do Terceiro Setor. É Evidente Que Não Há Como Os Empregados De Entidades Do Terceiro Setor Participarem Dos Lucros, Na Medida Em Não Há Distribuição De Lucros Nestas Entidades. Porém, Estas Podem Ter Resultados Operacionais – Entendidos Como Tais, Os Alcances Dos Objetivos À Que Se Propõe, Que Podem Ser Estabelecidos Através De Programa De Metas.

Vê-Se, Na Espécie, Possível Discriminação E/Ou Possível Tratamento Não Isonômico, Haja Vista Que A Norma Infraconstitucional Está Excluindo Os Empregados De Entidades Do Terceiro Setor Da Participação Em Programa De Resultados.[5]

Contudo, essa interpretação encontra forte resistência na doutrina e mesmo na jurisprudência. Ives Gandra da Silva Martins ao se manifestar sobre o tema, afirmou que não existem parcelas de lucro ou de resultados a serem partilhados pelas entidades sem fins lucrativos. Observe:

Estando O Inciso XI Do Artigo 7º Da Constituição Federal A Depender De Veiculação Infraconstitucional, Tal Veiculação Excluiu A Aplicação — No Que Agiu Rigorosamente Dentro Do Espírito Constituinte De Permitir Apenas Participação Dos Empregados No “Lucro” Ou “Resultado” Das Empresas, Partilháveis Com Seus Sócios — Às Instituições Sem Fins Lucrativos E Que, Portanto, Não Distribuam Lucros Ou Resultado.

(…)

Esta É A Razão Pela Qual A Lei Regulamentada Do Artigo 7o, Inciso XI, Da Constituição Federal, Ou O Ato Legislativo Com Eficácia De Lei, Que É A MP N° 1.878/61, Expressamente Declarou Que Tais Entidades Não Estão Sujeitas Ao Regime Jurídico Nela Mencionado, Pois Não Seria Razoável A Participação De Empregados Em “Lucros” Ou “Resultados” Indistribuíveis E Que, Portanto, São De Impossível Partilha Entre Sócios, Dirigentes, Administradores E Empregados.

Também a jurisprudência caminha no mesmo sentido, conforme se observa de acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, cujo trecho do voto segue abaixo transcrito:

A Reclamada Sustenta Ser Indevido O Pagamento Da Participação Nos Lucros E Resultados, Uma Vez Que A Recorrente É Uma Associação Civil Sem Fins Econômicos E Lucrativos. Com Razão A Recorrente. A Cláusula 15 Da CCT 2013/2014, Aplicável À Categoria Da Reclamante, Prevê O Pagamento De Participação Nos Lucros E Resultados (Doc. 23 – Fls. 99). Contudo, O § 3º, Do Art. 2º, Da Lei 10.101 De 19 De Dezembro De 2000, Que Dispõe Sobre A Participação Dos Trabalhadores Nos Lucros Ou Resultados Da Empresa, Estabelece Que Não Se Equipara A Empresa Para Fins Dessa Lei, A Entidade Sem Fins Lucrativos. Com Efeito, A Reclamada É Entidade Filantrópica Sem Finalidade Lucrativa, E O Pagamento De PLR É Incompatível Com Tal Natureza Jurídica, Ainda Que Previsto Em Acordos Ou Convenções Coletivas.

Destarte, Reformo A R. Sentença Para Excluir Da Condenação O Pagamento De PLR.[6]

Por se tratar de matéria constitucional, é possível que a discussão quanto a distribuição de lucros ou resultados por entidades sem fins lucrativos chegue ao Supremo Tribunal Federal, responsável por definir os conceitos constitucionais.

Como até o momento o STF não se manifestou sobre esse tema, permanece a dúvida quanto a possibilidade de entidades sem fins lucrativos distribuírem parcela de seu patrimônio a título de participação do trabalhador nos resultados, uma vez que em relação à lucro, parece-nos unânime a vedação.

3. Conclusão

O novo dispositivo traz nova luz sobre o tema, pois é possível interpretar, a partir de seu texto, que as entidades sem fins lucrativos podem enquadrar-se na lei do PLR, com isenção de contribuição previdenciária, desde que o pagamento pela participação nos recursos esteja vinculada à índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos.

Ou seja, não estando relacionado diretamente à uma parcela do resultado ou superávit, seria possível às entidades sem fins lucrativos bonificar seus empregados, sem a incidência de contribuição previdenciária.

Evidentemente que esse dispositivo (§3º-A) não elimina ou afasta por completo a discussão sobre o tema, especialmente por parte da Receita Federal. Mas veja que o argumento da Receita Federal – constante da Solução de Consulta COSIT n. 184, de 27 de julho de 2015 – de que “(…) a concessão de participação em lucros ou resultados da entidade sem fins lucrativos, além de não contar com o suporte da Lei nº 10.101, de 2000, encontra expressa vedação no art. 14, I, do CTN, o que equivale a dizer que configura distribuição de patrimônio ou rendas”, acaba por ser contestado por essa novel legislação, uma vez que agora, por força do §3º-A, existe previsão expressa para que as entidades sem fins lucrativos bonifiquem seus empregados, desde que o façam utilizando índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos.

Por:
Carlos Eduardo Pereira Dura – Advogado e sócio da área tributária do Dalcomuni, Dutra e Colognese Advogados.
Mario Dalcomuni Neto – Advogado e sócio da área trabalhista do Dalcomuni, Dutra e Colognese Advogados.

Fonte: Dalcomuni Dutra colognese